Nos últimos quatro anos, Lula viajou constantemente para cuidar de seus negócios. Os destinos foram basicamente os mesmos – de Cuba a Gana, passando por Angola e República Dominicana. A maioria das andanças de Lula foi bancada pela construtora Odebrecht, a campeã, de longe, de negócios bilionários com governos latino-americanos e africanos embalada por financiamentos do BNDES. No total, o banco financiou ao menos US$ 4,1 bilhões em projetos da Odebrecht em países como Gana, República Dominicana, Venezuela e Cuba durante os governos de Lula e Dilma. Segundo documentos obtidos por ÉPOCA, o BNDES fechou o financiamento de ao menos US$ 1,6 bilhão com destino final à Odebrecht após Lula, já como ex-presidente, se encontrar com os presidentes de Gana e da República Dominicana – sempre bancado pela empreiteira. Há obras como modernização de aeroporto e portos, rodovias e aquedutos, todas tocadas com os empréstimos de baixo custo do BNDES em países alinhados com Lula e o PT. A Odebrecht foi a construtora que mais se beneficiou com o dinheiro barato do banco estatal. Só no ano passado, segundo estudo do Senado, a empresa recebeu US$ 848 milhões em operações de crédito para tocar empreendimentos no exterior – 42% do total financiado pelo BNDES. Há anos o banco presidido por Luciano Coutinho resiste a revelar os exatos termos desses financiamentos com dinheiro público, apesar de exigências do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União e do Congresso. São o segredo mais bem guardado da era petista.
Moralmente, as atividades de Lula como ex-presidente são, no mínimo, questionáveis. Mas há, à luz das leis brasileiras, indícios de crime? Segundo o Ministério Público Federal, sim. ÉPOCA obteve, com exclusividade, documentos que revelam: o núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria da República em Brasília abriu, há uma semana, investigação contra Lula por tráfico de influência internacional e no Brasil. O ex-presidente é formalmente suspeito de usar sua influência para facilitar negócios da Odebrecht com representantes de governos estrangeiros onde a empresa toca obras com dinheiro do BNDES. Eis o resumo do processo: “TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. LULA. BNDES. Supostas vantagens econômicas obtidas, direta ou indiretamente, da empreiteira Odebrecht pelo ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva, entre os anos de 2011 a 2014, com pretexto de influir em atos praticados por agentes públicos estrangeiros, notadamente os governos da República Dominicana e Cuba, este último contendo obras custeadas, direta ou indiretamente, pelo BNDES”.
Os procuradores enquadram a relação de Lula com a Odebrecht, o BNDES e os chefes de Estado, a princípio, em dois artigos do Código Penal. O primeiro, 337-C, diz que é crime “solicitar, exigir ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional”. O nome do crime: tráfico de influência em transação comercial internacional. O segundo crime, afirmam os procuradores, refere-se à suspeita de tráfico de influência junto ao BNDES. “Considerando que as mencionadas obras são custeadas, em parte, direta ou indiretamente, por recursos do BNDES, caso se comprove que o ex-presidente da República Luís Inácio Lula da Silva também buscou interferir em atos práticos pelo presidente do mencionado banco (Luciano Coutinho), poder-se-á, em tese, configurar o tipo penal do artigo 332 do Código Penal (tráfico de influência)”, diz o documento.
A investigação do MPF pode envolver pedidos de documentos aos órgãos e governos envolvidos, assim como medidas de quebras de sigilos. Nas últimas semanas, ÉPOCA obteve documentos oficiais, no Brasil e no exterior, e entrevistou burocratas estrangeiros para mapear a relação entre as viagens internacionais do ex-presidente e de integrantes do Instituto Lula com o fluxo de caixa do BNDES em favor de obras da Odebrecht nos países visitados. A papelada e os depoimentos revelam contratos de obras suspeitas de superfaturamento bancadas pelo banco estatal brasileiro, pressões de embaixadores brasileiros para que o BNDES liberasse empréstimos – e, finalmente, uma sincronia entre as peregrinações de Lula e a formalização de liberações de empréstimos bilionários do banco estatal em favor do conglomerado baiano.
A Odebrecht tem receita anual de cerca R$ 100 bilhões. É uma das principais empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato, que desmontou um esquema de pagamento de propinas na Petrobras. Segundo delatores, a construtora tinha um método sofisticado de pagamento de propinas, incluindo remessas ao exterior trianguladas com empresas sediadas no Panamá. A empreiteira, que foi citada pelo doleiro Alberto Youssef e por ex-funcionários do alto escalão da Petrobras, nega as acusações.
Saiba mais sobre a investigação do Ministério Público Federal em ÉPOCA desta semana. A reportagem detalha os casos dos documentos e imagens abaixo:
AMIGOS
O ex-presidente Lula em encontro com o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, em janeiro de 2013. Lula foi dar uma palestra em premiação a jovens do país (Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula)
PRESTÍGIO
O presidente de Gana, John Dramani Mahama, veio ao Brasil em 2014 para lançar seu livro Meu primeiro golpe de Estado. Aproveitou para visitar Lula e executivos da Odebrecht (Foto: Erika Santelices/AFP)
Fonte: g1.com